quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Planeta Mangue


Não imaginava que carangueijos pudessem ser seres tão acolhedores e comunicativos. Quando Telma, Tona e eu chegamos na margem do mangue na qual poderiamos encontrar as flores que se buscava para criar o floral, fui logo recebida por um deles que veio sem medo até mim, e com um gesto de sua pata maior fez uma espécie de aceno, nos recepcionando em seu território... A partir daí senti que haviamos adentrado outro planeta.

Primeiro, fomos a procura das flores, o que já me pareceu algo fantástico, pois jamais havia pensado que houvesse flores no mangue. Logo nos deparamos com algumas delas, mas já secas, naquele ponto em que sua base está prestes a cair por terra e dar origem a novas plantas. (Neste ponto, precisamos da ajuda de Samanta para entender o ciclo da flor).

Constatamos que talvez não tivessemos chegado na estação propícia para encontrar um número de flores suficientes, e Telma recebeu a mensagem, ou "recado", como diz Tona, de que haviamos chegado tarde. Então resolvemos simplesmente sentar sobre as raízes incrivelmente fortes da vegetação, tentando meditar, ou nos sintonizar com alguma orientação que pudesse nos esclarecer sobre o processo de criação do floral. Olhei em volta tentando sentir o que me dizia o mangue, que eu adentrava pela primeira vez. Pareceu-me estar dentro de entranhas, como Jonas na baleia, ou Gepetto. Quanto a este último, pai de Pinocchio, que fora em busca de seu filho e terminou sendo engolido pela grande baleia, talvez nos remeta um pouco ao que depois o mangue nos falou, e com especial clareza a Telma, sobre vida, morte, criação, e aborto. Gepetto na baleia estava em meio a uma crise em relação a sua criação, Pinocchio, que lhe escapava e se rebelava, mas que foi ao seu encontro, se reconciliando com ele na baleia. Foi isso que senti ali, um entrecruzamento das gerações, dos estágios de vida, uma UTI reparatória e germinatória.

Telma sentiu processos de curas profundas relacionadas ao aborto, e depois vimos na assinatura do ambiente este sinal: muitas plantas eram lançadas à terra, mas poucas realmente brotavam, ou "pegavam". Quando isto acontece, elas surgem com vigor, com um verde vibrante.

De repente, moscas começaram a morder a perna de Tona, e ele percebeu o recado para nos movimentarmos, sairmos em busca de mais coisas. Fomos adentrando o mangue, por uma senda criada por mão humana, e fomos chegando a uma clareira. A sensação era de estar numa floresta, daquelas encantadas. As raízes retorcidas das árvores acrescentavam ao ambiente uma sensação de magia psicodélica. Neste momento, Telma percebeu: haveriamos de criar um floral ambiental, da água do mangue. A água falava do processo criativo que buscávamos, e seria um primeiro passo para irmos conhecendo toda a mensagem que o mangue queria nos passar. Então colocamos na vasilha redonda de Telma água mineral e buscamos um ponto onde o sol pudesse inscidir sem interferência alguma sobre a água. Ficariamos ali por uma hora, aguardando o processo alquímico se realizar. E foi aí que o processo mágico aconteceu, Tona começou a perceber luzes psicodélicas verdes e azuis brincando dentro da água, e luz dourada se espargia em volta. De pé diante da vasilha, ele se maravilhava como uma criança e nos narrava tudo o que via, boquiaberto. Telma sentada na raiz forte de uma árvore acompanhava o processo em silêncio, orientando-nos aqui e ali. Tona dirigiu a luz para seu coração e sistema circulatório, e nós juntamos o segundo chacra com o timo, fazendo a conexão das energias criativas. Senti-me como um jarro novo (acho que essa é a frase de uma canção de catecismo). Barro e luz, foi a síntese. Estava renovando meu ateliê de criação, que, ficava claro estava sendo colocado em reparo e remodelado para poder dar novos frutos. Fracassos e abortos estavam sendo absorvidos pelo mangue, baleia acolhedora das obscurezas da alma (depois do obscuro, que é como um amigo inglês chamava o bar dos anos 80).

Olhando para a água na vasilha, via no seu fundo a luz como que depositada no seu interior, parecia um pequeno sol, um pequeno planeta brincante que entrara ali e se divertia colorindo a água. Tona me mostrou a variação de cores da luz. Era encantador como ela passava do amarelo, para o verde, depois para o azul. Pulsava de uma vida que parecia vir de outro planeta.

Ficamos um pouco mais ali, sentei na raiz de uma árvore, e observei os carangueijos. Eles se aproximaram da vasilha, e fervilhavam em torno dela. Havia de várias cores e tamanhos, e admiramos a sua convivência pacífica, e o aceno de suas patas dianteiras. Um deles era marrom como a lama mais brilhava como um besouro dourado.

Quando olhamos o relógio, fazia exatamente uma hora que estávamos ali. Então, coamos a água com um pano de fralda, e fomos andando em direção ao bar restaurante do outro lado da margem. No caminho, Telma "colheu" a água do mangue, límpida naquele local, e que neste momento corria do mangue para o mar. Então, suspiramos fundo: havia se concluído o processo de criação do floral.

Finalizamos a excursão com um banho nas águas do mangue, que até agora reverbera em meu corpo e alma. Não há palavras para agradecer tudo o que vivemos.

PS: Em alguns momentos nos conectamos com o Sítio União, e de lá sentimos chegar apoio e aconchego, numa conexão horizontal.


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