terça-feira, 31 de março de 2009

Como é bom poder tocar um instrumento

Sempre que a meditação se faz no Sítio União, sentimos um apoio que vai além, mas está também no canto das cigarras, é uma mistura de som e de côr, de sol, dos insetos e pássaros que cantam, da brisa que passeia entre nós como que para realçar uma frase dita, ou para deixar o pensamento mais leve.

A brisa e o sol no terraço de Fátima também nos assinalaram a necessidade de intervir na natureza para que ela viceje, floresça, frutifique... Pudemos senti-los chegando sem entraves depois de uma poda que havia sido feita na mangueira ao lado da varanda, e a vista que foi assim descortinada mostrava novas possibilidades, novos horizontes, uma interação mais profunda com o que estava em torno. E Telma recebeu a mensagem explícita de que seria bom haver uma poda na mata-jardim em volta para deixar o Sol-pai entrar, afirmando a vida.

Sua tradução do que a natureza estava pedindo foi misteriosa e precisa, cintilava com a linguagem verde da folhagem em volta. E apontava esperança, não só para a renovação da mata, mas também para os projetos de Fátima, a afirmação de seus sonhos.

Puxado por Telma, a temática de um paciente que atendo por msn se transformou no tema de cura de alguns de nós. Ele saiu de casa aos 16 anos, mais ou menos como o decidiu Tona, e isso nos remeteu aos nossos 16 anos. Viajei neste período da vida com um olhar mais condescendente para comigo, e notei que quase nada então me trazia a sensação de aconchego. Nem a casa onde morávamos, nem a escola em que eu estudava, nem as amizades ainda muito recentes (acabara de chegar da Argélia). E tentei imaginar como seria se eu já conhecesse, então, os anjos. Me lembrei que foi nessa idade que comecei a ter minhas primeiras aulas de violão, depois interrompidas, retomadas por duas vezes, novamente interrompidas... Acho que eu percebia minha professora, que era gordinha, como uma espécie de anjo, pois apesar do peso, movia-se com enlevo e trazia a tira-colo, junto com o violão, as canções que davam ar de feriado aos dias escolares, e a possibilidade de se expressar na linguagem comum da música, com canções brasileiras que conhecia, outras desconhecidas, mas que eram cantaroladas por todos. Pois a realidade me era muito estranha, mas as canções brasileiras haviam acompanhado todo o meu período de infância no exílio.

No terraço de Fátima, brincamos um pouco com nossas funções e profissões, os disfarces que damos a nossas atividades "terapêutico-espirituais", os entraves que erguemos entre nós e os outros, entre nós e nós mesmos. É mais fácil se dizer arquiteta, psicóloga, empresário ou professora. E o que hoje sentimos é que estamos sendo sutilmente chamados a atuar com um conhecimento renovado, até, porque não, nessas áreas em que nos formamos, criando novas vertentes e novos olhares sobre questões antigas ou recorrentes de nossa sociedade.

Lembrei-me de um amigo, que foi torturado e exilado, e que não conseguiu refazer sua vida profissional de volta ao Brasil, embora fosse muito inteligente e competente no que fez um dia. Lembrei de outro, também mineiro, exilado, médico, e que trabalhava em Argel nos postos de saúde pública no programa de combate à tuberculose. Ele me levou certa vez com meu irmão para vermos a sua consulta. Não falava bem o árabe, só dizia as palavras chaves, como "abra a boca" "tussa", que eu acabei também fixando. Enquanto escrevo aqui, me volta o ambiente de seu consultório, envolto numa atmosfera claro-escura, e acho que algo mágico se passava alí. Sem muitas palavras, por causa da barreira da língua, conseguia fazer uma consulta completa, e era um médico muito querido. Talvez, então, sem saber, eu tenha percebido que algo de diferente se passa quando há uma interação sincera entre terapeuta e paciente, algo que não passa pelas palavras.

A visão de profissão como uma atividade útil a sociedade foi muito clara para mim na Argélia, um país em reconstrução depois da guerra com os franceses (e hoje, um país um tanto dilascerado, apesar de estar relativamente bem economicamente). Enquanto nos questionamos sobre nossas atividades (ou somos questionados) e seu alcance "prático", me dou conta que talvez estejamos numa mudança de paradigmas, que nos faz caminhar bravamente por novas sendas, e que os desconfortos que sentimos aqui e ali são parte do caminho, e não retiram dele nada de sua beleza. É impressionante verificar o quanto de calma também nos chega, de certezas e de aconchego, estes que não encontrei aos 16 anos.

Talvez nessa mudança, o meu amigo que ficou "inutilizado" profissionalmente pudesse então encontrar um novo espaço de atuação, que abarcasse novas dimensões do ser e da riqueza que ele carrega consigo.

A coleção de entraves e de endurecimentos desde então talvez tenha se materializado em mim nas pedras da vesícula que agora preciso operar. E estes mesmos entraves, que colocamos quanto ao que fazemos, estão sendo, aos trancos e barrancos removidos a cada dia, pela percepção renovada e pelas sinalizações dos anjos. Me dou conta, ao mesmo tempo, que talvez seja necessário, para nos convencermos, passarmos a poder materializar algo que nos assinale um marco, como a praça do Baobá, e outros santuários da natureza na urbe, que sejam como diamantes a lapidar nossa sensibilidade. Que Fátima possa podar a mata-jardim, para que flores renasçam, que eu plante uma nova roseira, ou que, simplesmente, possa ouvir e ver melhor a natureza para acolher e ser acolhida, em todos os passos da vida.

No fim, terminei a meditação com uma consulta a Telma, o que fez com que apressasse as iniciativas para uma provável operação da vesícula, a qual ela me ajudou a ver como mais uma poda, para poder reflorir e frutificar. A linguagem com que ela me passou isso tinha a mesma vibração da que ela aconselhou a poda para Fátima...
Resta-me apenas agradecer as pedras do caminho que me fizeram chegar até aqui, e depois de tudo, ainda quero voltar às aulas de violão.

terça-feira, 24 de março de 2009

Navegar é preciso


Durante o almoço, minha mãe esclareceu-me a propósito dos símbolos da trilogia teológica: fé, caridade e esperança. A cruz representa a fé, o coração a caridade, e a âncora a esperança.

De repente, tinha-se desfeito, pelo menos aparentemente, a nossa idéia inicial de âncora como representante da caridade. Esta temática surgiu na nossa meditação a partir do colarzinho contendo esses três símbolos que Cecília, filha de Telma, presenteara a seu sobrinho e afilhado Leo, quando de seu batizado.

Contemplei um instante a imagem de âncora que me ocorrera em meditação, e a ressonância de mistério que emanava dela, como se carregasse chaves do nosso destino. Talvez, então, vendo isso à luz do que ela representa na trilogia, estivesse me assinalando a esperança que ela simboliza de podermos perfazer com plenitude nosso percurso de vida. Ancoramos nosso barco em novas paisagens que são nossas etapas de vida, renovados de esperança, apesar de bagagens antigas que podem conter dores, desapontamentos, frustrações. A âncora nos diz: "Alto lá! Aqui é outra paisagem, é outro momento, trago do alinhamento com seu Espírito novas esperanças vindas do céu para a terra".

No dicionário, consta o sentido de âncora como sinônimo de apoio, amparo. Aqui, encontrei um ponto de contato com o sentido de caridade que lhe atribuímos. O amparo é caridade, ele nos fortalece as esperanças de podermos prosseguir em nossa caminhada. Entendi melhor a mensagem do anjo de Telma falando em caridade que liberta: apoio que traz esperança para podermos prosseguir em nosso caminho.

Depois pensei nas âncoras de que Ivete falou, as ligações com nossos próximos: a necessidade de sentir o apoio de quem nos acompanha, não como algo que nos cerceia, mas como conexão que dá sentido a cada uma de nossas ações e faz com que nos sintamos acompanhados em cada decisão.

Veio-me então outra imagem de âncora que me ocorreu durante a meditação: uma corda já carcomida pelo tempo, o navio afundado. Aqui, a âncora não tinha mas a mesma ressonância de mistério, de "o que advirá agora?", mas marcava o local do fim de um percurso, ali onde nosso barco-corpo iria se desfazer para reintegrar a terra. Aqui ela é ponto final, testemunho de que houve um percurso que chegou ao seu fim, e de transformação, e porque não, ainda, de esperança.

Depois, o que Salete falou veio claro: a âncora é para ela instrumento de trabalho nos reservatórios de água que inspecciona. Permite criar estabilidade para que o trabalho possa ser feito. Talvez seja isso: a âncora permite que possamos aportar renovadamente na vida, e nos presenteia com novos contextos tingidos de esperança para que possamos fazer nossa parte, em alinhamento com os céus...

«Mas vocês, crianças do espaço, vocês os inquietos em repouso,vocês não sereis nem capturados nem domados.Vossa casa não será uma âncora mas um mastro.Ela não será um véu brilhante que cobre uma ferida, mas uma pálpebra que protege o olho.Vocês não encolhereis vossas asas para poderem atravessar as portas, nem baixareis vossas cabeças para que elas não toquem os tetos, nem temereis de respirar de medo que as paredes não se fendam e caíam.Vocês não habitarão sepulturas construídas pelos mortos para os vivos. Mesmo feita com magnificência e esplendor, vossa casa não saberá conter vosso segredo nem alojar vosso desejo. Pois o que é infinito em vós habita o castelo do céu onde a porta é a bruma da manhã, e onde as janelas são os cânticos e os silêncios da noite.» Khalil Gibran

terça-feira, 17 de março de 2009

Buscando acolhimento nas conexões

Esta foi a primeira vez que baixei uma imagem antes de escrever o texto aqui no obaobá. Sinto que ela ira me auxiliar, depois de uma manhã de intensos trabalhos "terapêuticos".

Neste quadro da "Última Ceia" de Da Vinci, Jesus, no centro da cena, é ladeado pelo apóstolo João, que no filme "O Código da Vinci" é revelado como sendo na verdade Maria Magdalena. De fato, sua figura tem uma suavidade feminina, que faz eco ao feminino de Jesus. Os outros apóstolos têm uma movimentação mais "áspera", enquanto que Jesus e Magdalena parecem manter uma conexão interior que os torna mais suaves. Um veste vermelho e se reveste de um pano azul (Jesus), o outro (João, Magdalena) veste azul e se cobre de vermelho.
João-Magdalena se derrama sobre seu companheiro, mas sentimos que ele está conectado a Jesus, no centro da cena estão os braços dos dois lado a lado. Essa conexão permite a João-Magdalena se doar aos amigos, e a Jesus resplandecer em vermelho e azul (masculino e feminino).
Não sei bem qual foi o "tema" da meditação de hoje, mas de uma certa forma, acho que teve a ver com nossas conexões, e suas naturezas. Conexões de diversos tipos, relacionamentos de diversas sortes, experiências antigas e atuais que fogem a padrões e fazem-nos questionar também sobre a nossa natureza, espiritual, sexual, cósmica. Afinal, para quem medita à luz de árvores, de Baobás, e sabe da sua natureza estelar, essa questão de rótulos e padrões começa a revestir o mesmo significado que as cores do prisma. Na verdade, a luz-unidade é branca (aqui me lembro de Ivete falando da Diana do pastoril) , se olharmos pelo prisma esta cor se divide em várias tonalidades (Tona, você é uma delas).
Saber que nossa alma tem tantas cores quanto o arco-iris e mais (me lembro agora de nossa conversa na padaria falando de amizades coloridas, termo gracioso que ressoa com a liberdade de poder expressar os vários coloridos da alma) permite perceber que nossas conexões de alma podem também ter muitas cores... As misturas das tintas podem dar laranja, azul, rosa ou verde, mas o que nos pareceu primordial foi que elas brilhassem como os cordões dourados que nos ligam a nossas almas e a nossos anjos. As vezes misturas excessivas ou mal equilibradas das cores resultam numa espécie de verde lodento, onde o brilho original das cores primitivas desaparece...
Cuidar da conexão primordial que é a conexão com nossa alma, com nosso anjo, atrairá naturalmente os parceiros divinos, que são aqueles que tendem a nos deixar livres, como as flores, borboletas e passarinhos, doadores, alegres e belos, e nutridos naturalmente de sua própria beleza e alegria.
Talvez estejamos questionando a natureza das nossas conexões, revendo padrões e preconceitos arraigados, que fomos acumulando ao longo do tempo, sem querer ou perceber, como exercício para podermos ampliar nossos contatos internos com nossos anjos, guias. A qualidade da conexão é o que importa aqui, a vibração da alma, se ela está em azul ou vermelho, talvez não seja o fundamental, mas que sejam cores da alma, que acolham o corpo.
Telma, conduzindo a meditação, nos levou a observar nossos cordões de conexão... A quem estamos conectados? Na ponta do dela estava seu anjo... Assegurou-lhe que podia ficar tranquila de sua proteção, apesar de seus muitos cordões e conexões, no final, ele sempre estaria com ela.
Sinto que estamos com mais vontade de cuidar dessas conexões. Queremos sentir seus significados de maneira mais profunda. Sabemos que não estamos em contato a toa. Que há certos laços que lampejam com luz divina... Quando isso acontece, ficamos desinteressados dos rótulos. Não têm a graça nem a leveza da alma, apenas podem auxiliar nos códigos sociais, quando a alma se ausenta.
Sentimos que o mangue continua presente, através do floral que tomamos diariamente, revelando uma nova natureza ao nosso redor e dentro de nós, possibilitando um encontro com o nosso renascimento em tempos de conexões renovadas.
PS: O quadro de Da Vinci me foi inspirado pela aparição de Jesus na meditação, mostrando seu coração de onde saem raios de diversas cores, como na chama trina. Meu avô João Batista me fez recordar esta cena, por causa da proximidade com o apóstolo João Batista-Magdalena.
PS2: Recebemos o encanto de ouvir Ivete em uma canção que ela estudou esta semana. Sua voz delicada e envolvente nos comoveu...

terça-feira, 10 de março de 2009

Mangu-eira criativa

Sinto-me agraciada por poder escrever aqui estes pequenos relatos do obaobá, sem o quê, como disse o músico da orquestra de Kinshasa, eu poderia explodir, ou subir em espiral para os céus, me sentindo como um girassol que se elevasse nos quadros de Van Gogh.
É que o floral do mangue, vou te dizer uma coisa.... Se o problema era criatividade... Sinto-me como um caleidoscópio tranquilo de possibilidades, e faço sem problemas conexões entre Rimbaud e Santa Terezinha do Menino Jesus...



Conforta-me sentir que Tona tenha conseguido, com seus "recados", dar o tom justo, profundo e confortante a cada um que coloca suas questões pessoais durante nossas meditações. Sem suas palavras acolchoadas, muitas vezes ficariamos sem a percepção de que os anjos estiveram conosco.
Hoje, em especial, ficamos embaixo da mangueira, e visualizando agora a cena de nós todos ali sentados em roda, veio-me a imagem daqueles conselhos tribais, com suas deliberações que me parecem sempre meio mágicas, como se não se baseassem apenas em eventuais leis estanques, mas no coração, na intuição, nos "recados" que chegam através da natureza. Os grilos e as cigarras (escolhi meu lugar junto a um grilo pousado na esteira) parecem dizer: "estamos aqui, estamos ouvindo, e não estamos indiferentes, a natureza não está indiferente".

Vem-me agora a imagem de Fábio recapitulando para Telma uma parte do processo que ela viveu com a decisão de deixar a Sal da Terra, e como o que ele viu e sentiu trouxe uma nova clareza ao que ela está transformando, trazendo uma linha de pensamento no tempo quântico dos eventos, apoiando suas novas decisões.

Foi muito bom constatarmos que haviamos avançado em nossos processos criativos, de uma forma ou de outra as coisas têm se aberto, como rosas, romãs, e se ofertado sob formas diversas, em aberturas de perspectivas, e, deliciosamente, em um doce de pitanga feito por Ivete.

São agora quase quatro horas da tarde, e só agora consegui pousar minha cabeça, que tentei ocupar com as traduções em que estou trabalhando, e me sinto, desde então, girando dentro de uma atmosfera feliz por carregar possibilidades, de tal forma que por vezes fico com medo e quero voltar a minha "rotina básica", mas continuo sendo enlevada como se andasse por uma espécie de via láctea atravessando meu corpo suavemente, revelando as pequenas e gentis ou grandes possibilidades que estavam ali embutidas, como se um pacotinhos de chicletes coloridos, como pequenos e mágicos arco-íris fossem ativados...

Na meditação propriamente dita, orientados por Telma, visualizamos nossas conexões sutis, através de cordões e ventosas nos ligando a processos criativos. E enquanto recordo isso, sinto que o mangue é este útero, a partir do qual nos conectamos com as dimensões criativas, uma especie de manguenet, ou mãeguenet, magnéticamente encantado... Acho que não seremos mais os mesmos...

terça-feira, 3 de março de 2009

Pano para os mangues


Está ficando difícil de escrever aqui e manter algum nexo com o senso comum, pois as experiências estão ficando extremamente tranquilas e incomuns. A clareza das mensagens tem sido pungente e calmante...

Hoje, no Sítio União, na casa de Fábio, houve entrelaçamento de visões, como as de Telma e Fábio, recados claros para Fátima e Ivete.
Tona serviu de mensageiro, revelando a essas duas últimas a razão de seus desconfortos. Eu me senti sendo modelada na lama do mangue.
Antes de começarmos a meditação, tomamos cada um três gotas do floral do mangue. Até agora me sinto meio amolecida, como se tivesse de fato entrado no mangue, mergulhada nele.

E da experiência toda me pareceu saltar um motivo comum. A do renascimento, o ser remodelado, o ter uma chance de partir renovado, deixando para trás bagagens que já não nos servem mais.

Fábio assistiu a seu próprio enterro, Telma se sentiu num enterro. Eu me senti sendo retrabalhada, como uma massinha com a qual você pode sempre recriar novas formas. Telma foi nos guiando suavemente a tentar encontrar o desejo que gostariamos de modelar durante a semana. Tudo veio regado com o perfume de angélica no jarro perto de nós.

Nossa, é tão calmante saber que podemos ser assim abraçados pela Terra, sentindo nosso espírito vivificado. A idéia de mangue como berçário, como lugar de reparação, e mais do que isso, de recriação, fica cada vez mais nítida. Nossa vida pode ser sempre recriada, podemos voltar ao berçário, e temos ajuda para aninhar nossos desejos e projetos, até que eles se sintam tranquilos, firmes e alegres de partir para o alto mar. Estamos dando panos para os mangues.